terça-feira, 1 de janeiro de 2008

RESPIGANDO I


Laicidade e neutralidade

Por razões de trabalho – aliás, poderia ser por quaisquer outras, desde que não implicassem contradição interna do meu ser e agir – encontro-me nas margens do Tibre. Procuro de novo contactar em Roma, que acumula vestígios de milénios – insisto, milénios de cultura – com um dos maiores humanistas portugueses que por aqui passaram. Ele, que foi o fundador da primeira biblioteca pública nesta cidade, fora dos muros do Vaticano, não tem sequer uma rua a assinalar a sua presença nestas paragens.
Estou por aqui, com um plano concreto de trabalho que me não permite perder muito tempo com a comunicação social, que pouco se distingue da nossa, se exceptuarmos a moderação dos noticiários – bastante mais breves, mas igualmente deprimentes – e a abundância de produções culturais.
Gosto de passar os olhos pelos artigos de opinião, quando não se ocupam exclusivamente de política.
Num dos mais recentes, PIERGIORGIO ODIFREDDI, em polémica com alguns dos fundadores do novo Partido Democrático, que pretende ser laico de forma inovadora – na Itália, esta questão do laico vrs católico tem o seu quê de folclórico -, procura dar a sua definição de laicidade, com um esforço a meu ver meritório, mas que não resiste a uma análise rigorosa da ingenuidade em que assenta.
Claro. Pessoalmente também não tenho nenhuma espécie de simpatia por ideologias políticas que se valem de uma certa linguagem dita cristã para avalizar posições que podem muito bem ser tomadas por crentes e não crentes: inclusivamente, como será o caso do Pd, para justificar a sua laicidade. Em política, na minha fraca opinião, o clericalismo, seja de direita, seja de esquerda, transforma-se sempre no mais violento dos anti-clericalismos.
O Senhor P. Odifredi acha que, ao contrário dos deputados aderentes ao Pd, descobriu o verdadeiro meio termo entre clericalismo e anti-clericalismo. Como? Vivendo e agindo com total indiferença perante os valores religiosos.
Transcrevo apenas dois passos do seu artigo, em tarduçaõ lovre do italiano:
Em relação às religiões e à Igreja, “limito-me simplesmente a constatar que têm visões do mundo contrárias à visão científica, e de um modo geral à racionalidade; concluo daí que seria bom que permanecessem confinadas no âmbito privado”.
Segundo ele, a autoridade pública devia “agir como se a religião e a Igreja não estivessem lá, sem naturalmente fazer nada para que não estejam. Esta posição é um compromisso entre os dois extremos do clericalismo e do anti-clericalismo”.
O Senhor Odifredi não repara que faz uma classificação ideológica das religiões e da Igreja; classificação a partir da qual advoga um comportamento, por parte da autoridade civil, não apenas discriminatório, mas, em definitiva persecutório.
De facto, “agir como se a religião e a Igreja não estivessem lá, sem naturalmente fazer nada para que não estejam”, só é possível nas mentes abstractas, que não fazem caso do concreto da existência das pessoas: Se eu ajo como se os que me rodeiam não existissem, que condições de vida lhes proprociono?
Se um estado pura e simplesmente ignora a dimensão religiosa dos cidadãos, como pode considerar-se livre e democrático?
Em meu entender, um estado democrático que o seja verdadeiramente não pode confundir neutralidade com laicidade: por isso não aceito que um estado seja laico, porque a profissão do laicismo é já uma tomada de posição anti-religiosa. O estado democrático não deve ser confessional, mas deve ter em conta as confissões religiosas dos cidadãos e, sem favorecer nenhuma delas só porque é uma confissão religiosa, criar-lhes condições de existência, no quadro da democracia, que está ao serviço do cidadão e não o cidadaão ao sedrviço da democracia.


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