sexta-feira, 1 de agosto de 2008

RETOMANDO




Conversa de café

Passou mais de meio ano!
Por isto e por aquilo, da imensa teoria de conversas que tive a intenção de tazer para aqui, não escapou nenhuma.
Hoje, no início do mês que toda a gente continua a relacionar com as férias, impulsinado pela memória daquele santo velhinho que, depois de ter escrito coisas maravilhosas sobre a misericórdia divina, foi assaltado pelo medo de se perder eternamente, enchi-me de coragem e decidi tarzer para aqui alguns parágrafos desta página do meu diário.
Se alguém por aqui passar, tome-o como desabafo de crente e homenagem de europeu a outros europeus que souberam apagar os medos da existência com a lógica da fé.

E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente (Mt, 13,58).
Afinal, não se destinam os milagres a provocar a fé dos que os presenciam? Como é que se diz que, na Sua terra, Jesus não fez muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente?
É que, de facto, os milagres, os verdadeiros, aqueles para fazer os quais Deus Se fez um de nós, a eternidade penetrou no tempo, o Filho de Deus Se tornou Filho do homem, tirando raras excepções, não servem para provocar a fé, mas para alimentá-la, fazê-la crescer.
E nascem dela, são provocados por ela, quando o amor das criaturas procura mais o Criador do que os Seus dons.
É o meio da manhã, do primeiro dia de Agosto, um mês que há muito traz consigo as marcas do descanso, ainda que nem sempre, como é o meu caso, possamos fazer coincidir com ele as férias anuais: esse tempo que, apesar de, no domínio dos conceitos, conservar o fascínio das melhores conquistas da nossa civilização, se tem vindo a degradar progressivamente com todo o tipo de cedências ao mercantilismo que nos acorrenta e destrói.
E damo-nos conta de que a Europa, mais do que qualquer outro continente, assiste ao ressurgir dos medos que esmagavam o mundo pagão e que tinham vindo a desaparecer à medida que esse mundo era penetrado pela fé num Deus único, criador e Senhor de tudo o que existe.
Hoje, abandonado esse Deus, deixando que se envene a nossa cultura com a ideia de que não precisamos do sobrenatural para nada, ficamos à mercê dos mitos que nascem e renascem de uma natureza absolutizada.
É verdade o que diz Bento XVI: sem Deus não se constrói o paraíso, mas o inferno ( Jesus de Nazaré).
Vem-me à mente aquela conversa de café: três amigos de idades muito diferentes, mas irmanados na mesma inquietação de encontrar uma resposta para esss medos, que ninguém quer identificar, mas que se sentem e parecem irredutíveis num ambiente em que não se vê necessidade de Deus para nada.
Até que alguém, lembrando-se das parábolas do Reino, como no-las relata o capítulo treze de São Mateus, e ligando, entre outros, os comentários de dois santos quase dos nossos dias, afirma, martelando as palavras, para não perder a lógica do disurso:
Estou profundamente convencido de que este é o momento ideal para se falar de um Deus que nos ama com um amor absolutamente gratuito. Que nos criou sem nós e que de nós não quer senão que O amemos assim: sem esparar nada d’Ele, porque Ele nos basta, como diria Teresa de Jesus, num poema tão belo esteticamente, como teologicamente profundo.
E vieram os dois santos, que são apenas dois, numa galeria imensa de figuras de carne como nós, e que recordo novamente, porque um deles aparece na liturgia do primeiro de Agosto.
Santo Afonso Maria de Ligório, na fase final de uma existência longa, toda gasta ao serviço de Deus e das almas, teve medo: porque lhe parecia que não podia salvar-se. Até que decide pedir a Deus que lhe permita amá-Lo para sempre, mesmo que seja condenado às penas eternas.
Teresa do Menino Jesus, uma vida curta, mas de tal modo engrandecida pelo amor de Deus, que abarcava o mundo e os séculos.
Nos últimos meses, a mesma tentação purgativa. E a mesma resposta-pedido de um coração verdadeiramente apaixonado: ó Jesus, eu não Te quero senão a Ti. Por Ti, eu troco tudo, até o Céu, se for preciso.
Por vezes, ficamos com a impressão de que a missão da Igreja é oferecer alternativas: outra doutrina, outra moral, clareiras que reduzam os medos da noite escura, rotas que conduzam a algum porto seguro.
Talvez seja tudo isso.
Mas aquilo de que precisa o nosso mundo actual, sobretudo esta Europa paralizada pela miséria da abundância, é a redescoberta de um Deus que não quer ser amado pelo que nos dá, mas por Ele próprio.
Tal como Teresa de Lisieux dizia de Jesus: Jesus é um tesouro escondido, um bem inestimável que poucas almas sabem encontrar, porque Se esconde, e o mundo ama aquilo que brilha. Ah!, se Jesus tivesse querido mostrar-Se a todas as almas com os Seus dons inefáveis, certamente que não haveria uma só que O desdenhasse; mas Ele não quer que O amemos por causa dos Seus dons: Ele próprio há-de ser a nossa recompensa.
E há de ser a partir daqui que se descobrirão as mentiras que envenenam os discursos sobre o amor e os chamados direitos da pessoa.

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