terça-feira, 28 de outubro de 2008

PROTESTANTIZAR A IGREJA?





Uma conversa provocante

O meu amigo Gilberto vinha verdadeiramente transtornado: tinham-lhe dito que já não era preciso um padre para celebrar missa (ou dizer, segundo a sua linguagem), que agora tinham de se contentar com... ele nem sabia como chamar-lhe; uma celebração da palavra, completei eu.
Fui-lhe dizendo que isso se fazia já por muito lado: liam-se os textos bíblicos, e alguém, convenientemente preparado e devidamente autorizado, explicava esses textos. No fim, até podia dar a comunhão.
- Ah! Assim já entendo a conversa de um parente que me disse que lá na terra onde vive todos preferiam a missa da freira, que era muito simpática e demorava menos que o padre!
Depois, com um ar muito sério, acrescentou:
- Mas isso não será imitar os protestantes?
Procurei mostra-lhe a diferença e tranquilizá-lo com o carácter extraordinário das chamadas Celebrações Dominicasi sem Eucaristia.
Fiquei com sérias dúvidas sobre a eficácia de uma argumnentação que, para ser sincero, nem a mim me convencia.
E veio-me à lembrança aquele congresso de Avinhão, de 1969, em que um dos estudiosos presentes, num discurso tão inflamado como inquieto, se insurgia contra o que ele classificava de autêntica protestantização da Igreja.
Na altura pareceu-me que se estava a exagerar, até porque o que o orador apresentava como sintoma de protestantização não me parecia, como não me parece ainda hoje, um verdadeiro sintoma de protestantização.
Mas a conversa do Gilberto deixou-me perplexo: sobreteudo porque ele, que é mais viajado do que eu, acabou por me dizer que conhecia comunidades não católicas que celebravam o domingo da maneira descrita por mim (“com comunhão e tudo”, acrescentou), mas que se via muito bem que eles não acreditavam na missa, como os católicos.
E fiquei a perguntar-me se, sem nos darmos conta, não estaremos de facto a protestantizar a Igreja, cuja identidade tem no centro a Eucaristia, que ela própria realiza e da qual vive.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

UM ASSUNTO DIFERENTE


Comunhão e livre iniciativa

Não sei se vem muito a propósito, mas a verdade é que o Domingo Mundial das Missões me acicata com grande violência para que não adie mais a oferta aos meus visitantes de breves reflexões sobre alguns dos muitos equívocos de que enferma, se não a prática, ao menos o discurso pastoral de certos responsáveis das nossas comunidades.
E, antes de mais nada, alguns textos do Evangelho:

Disse-lhe João: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo, porque não nos segue.» Jesus disse-lhes: «Não o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim. Quem não é contra nós é por nós. Sim, seja quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.» (Marcos: 9,36-41).

E quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa.» (Mateus: 10, 42)

«Quem acolher este menino em meu nome, é a mim que acolhe, e quem me acolher a mim, acolhe aquele que me enviou; pois quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande.»
João tomou a palavra e disse: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome e impedimo-lo, porque ele não te segue juntamente connosco.»
Jesus disse-lhe: «Não o impeçais, pois quem não é contra vós é por vós.» (Lucas: 9,48-50)

Sem me meter em questões de exegese, para as quais não tenho competência – é sempre como simples crente que leio a Sagrada Escritura, ainda que a Bíblia contenha inúmeros textos cuja beleza literária me encanta – penso que os passos citados, apesar das evidentes diferenças, se referem todos ao mesmo discurso de Jesus.
E talvez posamos dizer que o fundo desse discurso é o apego a um conceito de ortodoxia e unidade que assenta mais na obediência ao oficial e às estruturas que o protegem, do que no amor e na fidelidade a Deus, que em Jesus Cristo se faz Palavra encarnada.
Em tal contexto, torna-se difícil o acolhimento dos pequeninos, aqui associado à generosidade que acompanha a oferta de um simples copo de água, que não será mais do que um símile para dizer que tudo o que é feito em nome de Cristo, ainda o mais insignificante aos olhos profanos, tem valor e é digno de recompensa por parte de Deus.
Marcos e Lucas introduzem neste episódio o gesto de intolerância dos discípulos referido por João: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo, porque não nos segue.»
Há alguns agentes da pastoral – aquilo que poderíamos designar por acção oficial da Igreja, com algum enquadramento por parte da hierarquia – ficariam muito indignados se os acusássemos de intolerância, quando reparamos no modo como, em nome da eclesiologia de comunhão, se queixam do trabalho apostólico de pessoas e movimentos que escapam ao seu domínio. Ficariam indignados, talvez com razão, porque neste, como noutros campos semelhantes, é fácil cair em julgamentos injustos. Mas que há muita intolerância mascarada de comunhão ecelsial esterilizando a vida das comunidades, ninguém com certa perspicácia o negará.
O Vaticano II, relativamente a este tema, pôs em realce dois princípios que deviam tornar-nos mais acolhedores e menos normativos: o chamamento universal à santidade e o dever de todos os baptizados se dedicarem, cada qual segundo as suas circunstâncias pessoais, ao apostolado.
Em face disto, não há monopólio que se possa legitimar.
À autoridade compete promover a santidade e o apostolado, não substituindo a iniciativa privada, mas velando por que tudo se faça segundo Deus, que exige o máximo respeito pelos direitso dos fiéis.
Não o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim. Quem não é contra nós é por nós.
Talvez que no dia em que se tivesse isto mais em conta, aumentasse o empenhamento apostólico dos membros das nossas comuniaddes no que é essencial, e diminuissem os problemas cujo tratamento consome tantas energias físicas e morais.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

NOBEL DA PAZ

A propósito do Nobel da Paz
Há poucos dias a Comunicação Social desenvolvia o tema da possível ilegalidade da atribuição do Nobel da Paz a personagens como, por exemplo Yaser Arafat e Madre Teresa de Calcutá, uma vez que, segundo os Estatutos desse Prémio, o galardão não poderá ser atribuído a figuras políticas ou religiosas.
Espantado, percorri a lista dos nomes que me vieram à mente e fiquei a pensar que, ou os referidos Estatuto não dizem isso, ou a Academia Sueca, pelo menos no que se refere a figuras políticas, os pôs completamente de lado.
Como se justificaria a concessão do Nobel da Paz ao ex-Presidente da República da Finlândia, como aconteceu este ano?
Se não me engano, temos mais um caso de sanha anti-religiosa que, além da manipular o direito, finge um alvo diferente daquele a que atira de facto.
Foi pensando nisso que decidi reabrir este blogue oferecendo a quem não tenha tomado conhecimento dela, uma resumo da intevenção do Observador Permanente da Santa Sé na ONU, durante a última Assembleia Geral.
Ai vai o texto, adapatado de uma nota da Agência ZENIT

Intervindo na 63ª sessão da Assembléia Geral da ONU sobre o item 1000, «Informe do Secretário-Geral sobre o trabalho da Organização», Mons. Migliore, Observador Permanente da Santa Sé, recordou que este ano se celebram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, «com os quais os chefes mundiais estiveram de acordo em que não são concessões dos governos, mas direitos inerentes a todos os indivíduos, independentemente da raça, da nacionalidade e da religião».
No centro do sistema dos direitos humanos, sublinhou, figuram «o direito à vida e à liberdade de pensamento, consciência e religião», «com muita freqüência desatendidos a favor de questões politicamente mais convenientes», e aos quais se presta atenção «só quando a voz dos discriminados se torna forte demais par ser ignorada».
«Só respeitando o direito à vida, desde o momento da concepção até a morte natural, e a consciência de todos os crentes, promoveremos um mundo consciente e respeitoso com um senso mais profundo de significado e fins», declarou.
Dom Migliore acrescentou que neste momento existem testemunhos de «terríveis conflitos em muitas regiões do mundo. Aparecem sob a forma de desordens civis, actividade terrorista ou conflitos internacionais, mas perpetuam a equivocada convicção de que a violência e a guerra podem substituir a cooperação e o diálogo para o bem comum».
Frente à «crescente desaceleração econômica internacional» e a «fracasso dos objectivos de assistência ao desenvolvimento», falou da necessidade de um «consenso efectivo» para que a comunidade internacional «consolide as promessas e renove a cooperação entre os países desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento».
Com este fim, a delegação da Santa Sé espera que se ponha «a criatividade da actividade económica global ao serviço das pessoas, em vez de se porem as pessoas ao serviço dela».
O Observador Permanente desejou que a sessão da Assembleia Geral «sirva para promover uma cooperação e uma harmonia renovadas entre todos os povos».
«Cada vez vemos um maior aumento do uso da retórica que, mais que unir as nações, as rejeita e as divide», constatou.
Considerando que «em todos os ângulos do globo esta retórica foi usada para fomentar a desconfiança entre os Estados», Dom Migliore pediu que se «mude este aumento da suspeita e da desconfiança, e que se abra o caminho à confiança na nossa chefia comum e nos nossos valores compartilhados».
«Na assistência humanitária, na mediação e na capacidade de reunir as partes», concluiu, a ONU «deve continuar a sers reformada para que possa responder melhor às necessidades do século XXI».