quinta-feira, 16 de outubro de 2008

UM ASSUNTO DIFERENTE


Comunhão e livre iniciativa

Não sei se vem muito a propósito, mas a verdade é que o Domingo Mundial das Missões me acicata com grande violência para que não adie mais a oferta aos meus visitantes de breves reflexões sobre alguns dos muitos equívocos de que enferma, se não a prática, ao menos o discurso pastoral de certos responsáveis das nossas comunidades.
E, antes de mais nada, alguns textos do Evangelho:

Disse-lhe João: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo, porque não nos segue.» Jesus disse-lhes: «Não o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim. Quem não é contra nós é por nós. Sim, seja quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.» (Marcos: 9,36-41).

E quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa.» (Mateus: 10, 42)

«Quem acolher este menino em meu nome, é a mim que acolhe, e quem me acolher a mim, acolhe aquele que me enviou; pois quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande.»
João tomou a palavra e disse: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome e impedimo-lo, porque ele não te segue juntamente connosco.»
Jesus disse-lhe: «Não o impeçais, pois quem não é contra vós é por vós.» (Lucas: 9,48-50)

Sem me meter em questões de exegese, para as quais não tenho competência – é sempre como simples crente que leio a Sagrada Escritura, ainda que a Bíblia contenha inúmeros textos cuja beleza literária me encanta – penso que os passos citados, apesar das evidentes diferenças, se referem todos ao mesmo discurso de Jesus.
E talvez posamos dizer que o fundo desse discurso é o apego a um conceito de ortodoxia e unidade que assenta mais na obediência ao oficial e às estruturas que o protegem, do que no amor e na fidelidade a Deus, que em Jesus Cristo se faz Palavra encarnada.
Em tal contexto, torna-se difícil o acolhimento dos pequeninos, aqui associado à generosidade que acompanha a oferta de um simples copo de água, que não será mais do que um símile para dizer que tudo o que é feito em nome de Cristo, ainda o mais insignificante aos olhos profanos, tem valor e é digno de recompensa por parte de Deus.
Marcos e Lucas introduzem neste episódio o gesto de intolerância dos discípulos referido por João: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo, porque não nos segue.»
Há alguns agentes da pastoral – aquilo que poderíamos designar por acção oficial da Igreja, com algum enquadramento por parte da hierarquia – ficariam muito indignados se os acusássemos de intolerância, quando reparamos no modo como, em nome da eclesiologia de comunhão, se queixam do trabalho apostólico de pessoas e movimentos que escapam ao seu domínio. Ficariam indignados, talvez com razão, porque neste, como noutros campos semelhantes, é fácil cair em julgamentos injustos. Mas que há muita intolerância mascarada de comunhão ecelsial esterilizando a vida das comunidades, ninguém com certa perspicácia o negará.
O Vaticano II, relativamente a este tema, pôs em realce dois princípios que deviam tornar-nos mais acolhedores e menos normativos: o chamamento universal à santidade e o dever de todos os baptizados se dedicarem, cada qual segundo as suas circunstâncias pessoais, ao apostolado.
Em face disto, não há monopólio que se possa legitimar.
À autoridade compete promover a santidade e o apostolado, não substituindo a iniciativa privada, mas velando por que tudo se faça segundo Deus, que exige o máximo respeito pelos direitso dos fiéis.
Não o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim. Quem não é contra nós é por nós.
Talvez que no dia em que se tivesse isto mais em conta, aumentasse o empenhamento apostólico dos membros das nossas comuniaddes no que é essencial, e diminuissem os problemas cujo tratamento consome tantas energias físicas e morais.

Sem comentários: