quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

HORAS DEPOIS


Na hora dos artistas

Um dos preconceitos da cultura post-cristã é que todos podem ser poetas, menos o autor da poesia; (claro que, como é fácil de perceber, tomo aqui o termo no seu sentido mais amplo, que não se refere apenas o tratamento criativo da realidade intramundana, mas abrange a própria produção dessa realidade.
Não deixa de conter uma enorme dose de ironia – aquela ironia com que a história se ri das nossas vaidades – o facto de, no momento em que os estudos bíblicos atingem um nível superior de compreensão das formas que marcam os textos sagrados, haver tanta gente culta a recusar credibilidade a esses textos, precisamente pelo que comtêm de mais humano: como se Deus não pudesse servir-se dos instrumentos que Ele próprio forneceu às suas criaturas.
Empurra-me para esta reflexão, algo que não me parece pura coincidência:
Na liturgia romana, lemos os primeiros capítulos do Génesis, onde a teologia e a arte são utilizadas por Deus, com a mesma liberdade com que tira do nada todas as coisas.
Passou um dia da comemoração do 179º aniversário da morte de Marcos Portugal – nome que me ficou na memória, não apenas pelos anos que passei no número oito da rua que tinha o seu nome (será que ainda tem?), mas sobretudo porque aí mesmo me ensinaram a apreciar o seu valor e a sua arte.
O calendário litúrgioco dos dominicanos recorda hoje o nome de João de Fiésole, mais conhecido por Frei Angélico, um artista cujo talento fica a dever muito à sua fé.
Finalmente, acabamos de sepultar o membro do presbitério de Leiria-Fátima que nas últimas décadas mais cantou e fez cantar, alimentando a força do talento criador e executivo com a profundidade de uma fé de que só não se deram conta aqueles que andavam muito distraídos.
Beleza criada, arte criativa, sensibilidade... tudo são dons de Deus, o artista supremo.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

EQUÍVOCOS EMPOBRECEDORES

SERMOCINATIO,
Uma das palavras possíveis para traduzir a nossa "tertúlia", deu-se como nome a este blogue, que se destinava a contnuar conversas, reais ou imaginárias, de que se gostaria levar por diante alguns temas. Naceu há mais de uma ano e ficou pelos balidos do parto... Tento dar-lhe vida com os pensamentos que me vieram à mente, num dia de sol fraco, mas luminoso, enqaunto descia a rampa ocidental da serra de Aire

Será que verdadeiramente se enriquece?

Devagar, como é meu hábito, por uma estrada cheia de recordações, inicio a descida da serra.
O azul do céu searapintado de nuvens ligeiras, ar limpo por chuvas demoradas, boa visibilidade, horizonte aberto, olhar espraiando-se, quase até ao infinito.

Lascia chio pianga mia cruda sorte
E che sospiri la libertà!

Almerina e Rinaldo: música de Haendel, voz apaixonada de Merli Horn.
As Cruzadas, a beleza das donzelas muçulmanas e o romantismo dos cavaleiros cristãos... A Idade Média recuperada pelos artistas da Renascença e do Barroco.
Esta música tem quase a força de um vulcão: por pouco não me distraio do volante, do carro, que só me leva em segurança se cuido dele.
O meu espírito remexe agora naquela pregação que me deixa uma certa amargura: não pelas ideias, creio que absolutamente correctas, apesar dos equívocos que a cada momento a atravessavam.
Equívocos, infelizmente alimentados por outros equívocos, que podiam ser evitados, se não tivéssemos permitido a anarquia da linguagem, posta agora ao serviço da ignorância, ela sim, crescente em todos os campos.
Dois de Fevereiro, festa da Apresentação do Senhor: Apresentação, entrega, oferta, consagração... Dia dos consagrados: um passo para se misturarem, não me atrevo a dizer, confundirem, coisas tão diferentes como: conversão, disponibilidade, inclinação, espírito de serviço, vocação, celibato apostólico, profissão religiosa, ordenação sacerdotal.
Uma sementeira de confusões das quais faz parte o uso que hoje se faz de palavras como eucaristia, evangélico, ecuménico, clérigo, religioso, etc., etc.
Alguém me responde: assim se enriquece a língua.
Eu só pergunto: desde quando é que o equívoco se tornou enriquecimento da linguagem?
Distraio-me de novo com a música de Haendel: esta, pelo menos, por muitos equívocos que contenha, não viola a minha liberadde de pensar sem barreiras escusadas:
Lascia chio pianga mia cruda sorte
E che sospiri la libertà!